Guilherme: Por que tu não foi com todo mundo?
Manuela: Tua mãe quer falar comigo antes. Não sei se to fudida ou muito fudida.
Guilherme: Minha mãe não é tão monstro assim.
Manuela: Eu sei, lindo. Mas nunca se sabe o que ela pode querer comigo.
Guilherme: Lindo? Tu só não é mais irônica por falta de tamanho.
Manuela: Eu guardei a panela, mas posso pega-la de novo, sem problema nenhum.
Guilherme: Que medo.
Manuela: Palhaço.
Guilherme: Delicia.
Manuela: Não sou a Valdirene, mas um milho seria legal na minha vida. – Dei risada. – Brincadeira. Jamais viveria a custa de homem.
Guilherme: Eu te sustentaria, se tivesse grana.
Manuela: Quem disse que eu ia te querer?
Guilherme: Joguei verde.
Eu ri. Guilherme era muito engraçado. Eu estava gostando cada vez mais da companhia dele. Terminei de comer, me levantei pra lavar o meu prato mas ele pegou e lavou toda pra mim.
Manuela: Obrigada, Guilherme.
Guilherme: Não foi nada, estranha.
Eu não estava nada afim de ficar em casa, mas não conhecia nada no bairro.
Manuela: Qual o lugar que eu vá me distrair mais aqui no bairro, Guilherme?
Guilherme: Me chama só de Gui, estranha. Tem um lugar foda. Quer que eu te leve lá?
Manuela: Não vai te atrapalhar?
Guilherme: Ta me vendo fazer alguma coisa muito importante? Não, então vamos.
Assenti com a cabeça. Ele pegou um casaco e nós começamos a andar pelo bairro. Era um bairro normal. Guilherme foi entrando em um prédio abandonado e eu só o segui.
Fomos parar no terraço do prédio. Dava pra ver grande parte da cidade dali. Era incrivelmente lindo.
Manuela: Que lugar lindo.
Guilherme: Esse é o lugar que eu mais gosto de toda a cidade. Eu venho aqui e esqueço tudo. É bom.
Eu me sentei na beira do terraço, pude sentir Guilherme me encarando. Ele parou de pé do meu lado.
Manuela: Olha ali. – Apontei pra um prédio, onde um casal aparentava estar discutindo. A mulher sumiu do campo de visão da janela e depois voltou segurando um bebê. – Ela descobriu que ele a traia, pegou o bebê e deve ter jogado na cara dele que ele não sabe o que significa família. Dou 10 minutos pra ela fazer a mala dele e o expulsar.
Guilherme riu e em seguida falou: – Que imaginação fértil.
Manuela: Espera 10 minutos, se ele não sair. Tu pode me pedir o que quiser. Caso contrário, quem pede sou eu.
Guilherme: Feito.
A gente continuou olhando a cidade. Ele se sentou do meu lado. Estava bem frio e eu não tinha me lembrado de pegar uma blusa de frio. Burra. Comecei a tentar me esquentar, mas não deu muito certo.
Guilherme: Quer meu casaco? – Ele percebeu. Merda.
Manuela: Não precisa, Gui. Valeu.
Guilherme: Precisa sim. Tu ta morrendo de frio. – Ele não me deu tempo pra responder. Tirou o casaco e foi logo colocando em mim.
Não rejeitei o casaco e nem o devolvi. Estava realmente com muito frio. E nossa, como Guilherme era cheiroso.
Não se passaram 5 minutos e o homem que eu tinha falado, saiu do prédio com duas malas na mão.
Manuela: Há! Eu falei.
Guilherme: Droga.
Manuela: Eu sabia!
A gente continuou conversando por uns 30 minutos. O homem voltou com a mala e a esposa estava a vista na janela. Falava com alguém no celular. Chorando e com o bebê no colo.
Guilherme: E agora, senhora cartomante? Por que ele voltou?
Manuela: Provavelmente está acontecendo alguma coisa com o bebê e ele veio socorre-lo.
O homem subiu para o apartamento e os dois estavam a vista na janela. Ele colocou as malas em um canto da sala. Aproximou-se da esposa e a beijou. Depois eles conversaram de pé em frente a janela. A mulher saiu do campo de visão e voltou sem o bebê. Um tempo depois os dois sumiram e a luz apagou.
Guilherme: Rolou um sexo. E tu perdeu.
Manuela: Merda.
Guilherme: Como boa perdedora, tu tem que fazer o que eu quiser agora.
Me virei de frente pra ele. Ainda continuávamos sentados na sacada.
Manuela: O que eu vou ter que fazer? Não pede nada que eu vá me envergonhar publicamente, por favor.
Guilherme: Prometo ser bonzinho. E como tu quase acertou, eu vou te deixar pedir algo também.
Manuela: Feito. Pede aí.
Guilherme: Quero um beijo.
Estranhei o que ele pediu. Droga. Ele sabia que eu não podia e outra, por que me beijar? Pra eu entrar na lista e ele falar que já tinha pegado todas as meninas?
Manuela: Gui... – Neguei com a cabeça. – Você sabe que eu não posso.
Guilherme: Coé. Pela minha mãe? Ela não tá aqui. Ninguém está. Desencana.
Manuela: Não quero problemas com ela. – Desviei.
Guilherme: Tu perdeu e eu poderia escolher o que quisesse. Para de graça, Manu.
Manuela: Tu me chamou de Manu, não de estranha. – Desviei de assunto.
Guilherme: Não tenta mudar de assunto.
Manuela: Merda. Ta bom, mas é um beijo e acabou.
Ele assentiu com a cabeça. Eu me aproximei dele e fechei os olhos lentamente. Pude sentir a mão fria dele no meu pescoço. Ele alisou o mesmo e aproximou o rosto do meu. Senti a respiração dele e o perfume. Nossa, que perfume. Ele colocou os lábios perto dos meus e começou a me beijar devagar. Entrelacei minha língua na dele e ele chupou a minha língua. Coloquei a mão no rosto dele durante o beijo. Nos beijamos por mais tempo do que devíamos, mas eu simplesmente não quis sair dali. Ele beijava bem e eu estava gostando. Mas acordei pra realidade, puxei o lábio dele. Ele mordiscou o meu lábio inferior, impulsionou o beijo a inciar novamente, mas eu me esquivei. Afastei o rosto do rosto dele.
Manuela: Aposta paga. Agora falta você.
Guilherme: Vai querer o que?
Manuela: A gente vai pegar metro pra tu pagar a tua aposta.
Guilherme: Seja boazinha. Eu fui legal contigo.
Manuela: Muito legal.
Nós saímos do prédio e fomos pra estação de trem. Ele pagou os nossos bilhetes e nós entramos no trem.
Sentei-me do lado dele e comecei a cobrar a aposta. Sussurrei em seu ouvido:
– Pega a minha mão e finge que somos namorados. Vou pegar o meu celular, fingir mandar uma mensagem e tu vai surtar. Fazer uma cena de ciúmes enorme. Boa sorte.
Ele riu e pegou na minha mão. A mão dele estava muito fria ainda. Ele devia estar morrendo de frio, já que ele tinha me dado o casaco. Tadinho. Ele começou a alisar a minha mão, eu me distrai por alguns segundos.
Guilherme: Pega o celular. – Ele falou baixinho.
Eu peguei o celular, fingi responder uma mensagem e ele se levantou. Começou a gritar comigo:
– Droga, Manuela. Da pra tu me dar atenção só um pouco? Esses teus amiguinhos são tão importantes que tu tem que responde-los ao ficar comigo? Porque se a resposta for sim, tu pode ficar com eles. Engula-os. Mas tu me esquece. Eu to de saco cheio de aguentar isso. Deu pra mim.
Entrei no papel e comecei a interpretar. Fingi olhar assustada pra ele.
Manuela: Amor, para com isso. Você sabe que isso é coisa da sua cabeça. Você vem em primeiro lugar. Sempre. Eles são meus amigos e me convidaram pra uma festa, eu só...
Guilherme: E tu correu pra responder que ia, né!? – Ele me cortou. Eu me segurei muito pra não rir. – Ta vendo? – Ele gritou mais alto. – É dessa merda que eu to falando. Tu não da a minima pro nosso namoro. Pra mim. Eu to de saco cheio, eu quero termin...
Não o deixei terminar de falar, levantei e o beijei. Droga, o que eu tava fazendo? Pude notar que todos no metrô olhavam pra gente e sorriam. A gente se beijou por um período curto, mas foi muito bom. Ele se envolveu. Enfiou a língua na minha boca e eu chupei a língua dele. Senti as mãos dele na minha cintura e ele puxou o meu corpo pra mais perto do corpo dele. Senti o calor do peito dele. Suspirei e finalizei o beijo com um selinho. Falei baixinho no ouvido dele: bom trabalho.
Guilherme: O beijo fazia parte do repertório? – Ele sussurrava.
Manuela: A pegada na minha cintura também? –Eu ri baixinho e ele roubou um selinho de mim. Foi bonitinho. A gente passou o resto da viagem meio grudadinhos, porque roubaram os nossos lugares. Descemos na estação e voltamos pra casa.
Eu ainda estava em dúvida de porque tinha aceitado beijar ele e depois, ter beijado ele por minha iniciativa. Nada de se apagar, Manuela.
Fui pro quarto e ele foi pro dele. Não consegui pegar no sono fácil. Flávia chegou mais de 3 da manhã e eu ainda estava me afogando nos meus pensamentos. Dormi logo depois.
No dia seguinte, acordei cedo porque ouvi a voz de Helen. Tomei um banho, coloquei uma roupa e fui conversar com ela.
Manuela: Bom dia, Helen. Você queria falar comigo?
Helen: Queria não, eu quero. Vamos pro seu quarto. A Flávia não está lá, né!?
Manuela: Não. Quando eu acordei ela já não estava mais na cama.
Helen: Tudo bem... Subimos pro quarto, fechamos a porta e ela começou a falar: – Bom, eu queria te perguntar uma coisa bem indiscreta, mas necessária... Você já perdeu a virgindade?
Manuela: Já. Mas por que? –A pergunta me deixou meio envergonhada e eu não menti. Perdi minha virgindade com um quase ex namorado. Melhor qualificá-lo como ex ficante. Eu tinha 16 anos e foi bom, mas isso é coisa pra se falar outro dia.
Helen: Poxa, que pena...
Manuela: Pena?
Estranhei a reação de Helen.
Helen: É. Eu pensei que você fosse virgem e, não me entenda mal, mas você valeria mais.
Não entender mal? Vou entender como? Bem? Porque isso foi super chato.
Manuela: Ta tudo certo. É uma pena mesmo.
Helen: Bom. Era isso. Se quiser, não precisa falar pras meninas o que conversamos aqui. Invente qualquer besteira. Hoje a noite tu vai com as meninas pra boate, pra elas te passarem a coreografia e te ensinarem o esquema de lá.
Manuela: Ta.
Helen saiu do quarto e eu continuei lá. Valer mais? Mulherzinha nojenta. Eu odiava aquele mundo e isso porque, ia começar nele ainda. Raiva.
O dia passou rápido, principalmente porque eu e a Jack passamos o dia todo limpando aquela casa gigantesca.
No final do dia, nos arrumamos e fomos pra boate.
Era tudo muito bonito e sensual. Cor vermelha por todos os lados. As meninas me passaram os passos e eu decorei em menos de uma hora.
Flávia: Tu dança bem demais, Manu.
Manuela: Amo dançar, mas nunca tive como praticar muito. Minha mãe não tinha condições de me por em uma aula de dança.
Jack: Manuzinha, bora pros quartos pra gente te mostrar o esquema.
Segui as meninas e entramos num quarto. O quarto era imenso e chique. Tinha uma cama de casal e um frigobar.
Bruna: Esse quarto é para aquele cliente rico e que vai te pagar mais de 1000 reais. Menos que isso, usa um quarto normal. Ali tem o frigobar, tem sempre alguma bebida e tem taças ali no outra cantinho. – Ela apontou e eu só observei.
Lua: Tem comida também, mas é pro cliente. Não coma se não quiser perder mais 10% do programa.
Manuela: Nossa!
Amanda: Não sabe nem da metade.
Flávia: Os banheiros só tem nos quartos como estes. Se tu sair de um programa e precisar muito, no final do corredor, virando a direita, tem um banheiro pra gente. Tu pode tomar banho lá. Nada de levar clientes.
Manuela: Menos 10% já sei.
Jack: 20%, na verdade. – Assustei com a quantidade.
Flávia: O banheiro do quarto você pode usar com o cliente, mas só se ele quiser muito. E não ofereça. Tu vai ter que limpar se sujar muito. A empregada só vem no dia seguinte.
Manuela: E os preços?
Flávia: Isso é com a Helen. Os caras negociam com ela e ela os manda pra gente. Ela vai te falar o que foi pago pra ser feito. Tu não pode fazer nada além do combinado. Se fizer, e o cliente não quiser pagar, o preju saí do seu bolso.
Manuela: Ou seja, seja uma pau mandada.
Bruna: Manu, isso é só o começo. Você não faz ideias das escrotices que tu vai ter que passar. Boa sorte. – Ela me lançou um olhar meio vazio e me deu calafrios.
Elas me mostraram os outros quartos. Eram bem menores e mais simples. Uma cama de casal velha em cada um, e uma estante pequena. Nada demais.
Passamos a coreografia mais uma vez para que a Helen pudesse ver. Ela achou mil defeitos que não existiam. Nos fez mudar um outro passo e me colocou na frente. Pra ser mais especifica, me colocou no lugar que a Amanda estava. Ela me olhou furiosa quando passou por mim pra mudarmos de lugar. Que culpa eu tinha? Nenhuma.
Ajeitamos umas coisas na boate e voltamos pra casa meio tarde. As meninas pararam em uma lanchonete pra buscar algo pra comer. Eu não estava com a fome, então resolvi ir pra casa a pé.
Ia caminhando pelas ruas e em uma delas, tinha uma sorveteria. O que me fez parar e ficar, aproximadamente, um minuto olhando, foi a presença de Guilherme e uma outra garota lá dentro. Eles estavam sentados em uma mesa, de costas pra saída da sorveteria. Eles riam e a menina chegou a dar uma colher cheia de sorvete na boca do Guilherme. A garota era morena e ao virar de perfil, me pareceu realmente muito bonita. Meu estomago embrulhou. Sai dali assim que minha mente me permitiu. Continuei andando pela rua, mas acelerei o passo. Droga, Manuela. Por que você está assim? Você não tinha nada com o Guilherme. Dois beijos e só. Ele jamais ia querer uma garota de programa. Uma futura garota de programa, mas dá no mesmo. Qual é o seu problema, Manuela? Você não o quer. Ou melhor, não pode querer. Me fez muito mal ter visto aquela cena.
Cheguei em casa, corri pro quarto e afoguei o rosto no travesseiro logo após me jogar da cama. Apesar de não ter gostado de ver a cena romântica que Guilherme estava, foi bom pra mim. Sim, bom. Bom pra eu desencanar e nem me iludir. Guilherme não é pra mim. Acorda, Manuela. Sua realidade é outra agora. Conforme-se. Tentei enganar a mim mesma.
Manuela: Imbecil –Gritei o mais alto que pude.
Lembrei-me do que a gente tinha feito no metrô. O beijo do metrô. E do beijo do terraço... Ah, o beijo do terraço. Lembrei de como o Guilherme me fazia rir e me fazia bem. Ele era um garoto incrível. Um garoto incrível que merecia uma garota incrível... Como a menina da sorveteria. Ah, a menina da sorveteria... Linda e totalmente livre pra ficar com ele. Sem pressão da mãe dele. Uma garota normal, não de programa. Merda! Por que não o conheci antes? Por que aquele dia que ele esbarrou em mim, eu não o puxei pelo braço e disse: "Faça-me feliz."? Por que? Exageros a parte, devia, pelo menos, ter dito meu nome. Pego o telefone ele. Alguma coisa eu devia ter feito, não sair correndo. Merda. Merda. Merda. Nessa lamentação toda, eu acabei dormindo.
Os outros dias foram normais. Eu queria encostar o Guilherme na parede, literalmente falando. Perguntar quem era aquela menina e porque ela deu sorvete na boca dele. Mas eu não tinha esse direito. Aliás, me proibi de ter qualquer relação a mais com ele. Não podia me dar a esse luxo. Ele vinha sempre puxar papo, mas eu o evitei o máximo que consegui. Conversava só o que era necessário para que ele não me chamasse de mal educada.
Um dia desses, eu e as meninas organizávamos umas coisas a sala. Ele passou pela mesma, colocou a mão em meu braço, fez um sinal discreto para eu ir a cozinha. Foi o que eu fiz.
Guilherme: Por que esse gelo todo, Manu? Eu beijo tão mal assim? –Seu beijo é perf... Não me permiti terminar o pensamento e me obriguei a não pensar mais sobre isso. Não naquele momento.
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