terça-feira, 12 de janeiro de 2016

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Gustavo Narrando

Acordei cedo e estava caindo um baita de um temporal. Levantei, fiz minha higiene e fui tomar café da manhã. Rafael estava com a maior cara de mal humor e minha mãe nos repreendia a todo tempo pela forma de comer ou se portar na mesa.

- Aí Rafa, quer que eu te leve pra escola hoje? - Perguntei colocando uma bolacha na boca.
- Não vai te atrapalhar? - Ele me olhou e deu um gole no leite com Nescau.
- Não, eu te levo. Tranquilo! - Arrumei minhas coisas e eu e Rafael saímos de casa.

No caminho pro colégio tivemos que fazer um percurso diferente, pois o local que sempre passamos estava interditado devido a um acidente. Quando estávamos passando próximo a pista de skate vimos Julie sentada no ponto de ônibus, ela balançava o pés e mexia a cabeça devagar. Estava distraída e cantarolando.

- Vamos dar carona a ela? - Perguntei pro Rafael.
- Vamos. - Ele falou abaixando o vidro para chama-la. - Julie. - Ele chamou a primeira vez e ela nem olhou. - Julie. - Ele chamou mais alto e ela cantarolava Avril Lavigne.

- Ah, que susto! - Ela falou alto quando viu o carro parado no ponto com Rafael a chamando.
- Quer uma carona? - Rafael perguntou alto.
- Olha, não sou de aceitar carona e nem gosto do seu irmão, mas acho que perdi o ônibus, então vou ter que aceitar. - Ela falou rindo.
- Sobe ai então. - Ele respondeu sorrindo e ela abriu a porta do carro.

- Bom dia. - Falou normalmente.
- Tá de bom humor hoje, é? - Perguntei olhando-a pelo retrovisor.
- Estava até alguns minutos, agora que você falou comigo estou mal humorada. - Ela fechou
a cara e Rafael riu.
- Smile. - Ela cantava baixinho. 
- Avril? - Perguntei tentando puxar assunto.
- Sim. - Ela foi curta e grossa.
- Não sei se já te falaram isso, mas você e a Avril se parecem. - Falei descontraído. 
- É verdade, parece mesmo. - Rafael falou rindo.
- Padre José a chamava de pequena diaba. - Ela falou rindo.
- Padre? Pequena diaba? - A olhei assustado.
- Longa história. - Ela respondeu olhando pela janela.
- Ah sim, um dia quero saber de tudo. 
- Quem sabe. - Ela respondeu seca e voltou a olhar pela janela.

Julieta Narrando

Talvez ele não fosse tão idiota assim, mas eu ainda não ia com a cara dele, fútil e sem noção demais pro meu gosto.

- Obrigada pela carona. - Falei descendo do carro.

Ele respondeu com um sorriso, eu fechei a porta do carro e fui em direção ao pátio da escola.

As horas passaram lentas, eu sabia que hoje seria um dia chato. Assim que saí do trabalho fui pra pista de skate, ainda chovia um pouco e eu fui caminhando lentamente com o skate na mão.

Enquanto eu andava pela chuva me lembrei do meu aniversário de cinco anos, eu ainda esperava que um dia minha mãe chegaria e me levaria pra morar com ela, todo aniversário era a mesma tortura, eu esperava, esperava e no final do dia quando eu percebia que ninguém havia vindo me procurar, eu chorava por horas.

Eu não fazia a linha chorona, nunca chorei na frente de ninguém, expressar sentimentos em público, era completamente vetado da minha vida.

Assim que cheguei na pista, ela estava completamente
vazia, com certeza por causa da chuva e o vento forte.

Sentei em cima do Ralf e coloquei os fones no ouvido. Começou a tocar Miss Invisible da Taylor Swift e meus olhos começaram a se encher de lágrimas. Não sou de ficar chorando pelo que vivi e ficando com pena de mim mesma, mas as vezes chorar me faz bem, esvazia o peito.

Eu estava quietinha, chorando e pensando em coisas que apenas eu sei, quando senti alguém sentar ao meu lado. Senti um perfume nada estranho, o mesmo perfume de hoje cedo no carro do boyzinho. Olhei de canto de olho e lá estava ele sentado ao meu lado, com o olhar distante e calado.

- Tá fazendo o que aqui? - Virei o rosto para que ele não me visse chorando.
- Pensando. Finge que não estou aqui. - Ele respondeu baixo.
- Não dá, to te ouvindo respirar. - Falei seca.
- Vou prender a respiração então. - Um silêncio tomou conta do Ralf e tudo que dava pra ouvir era o barulho da chuva. - Você já se sentiu sozinha? Tipo, mesmo com tanta gente ao seu redor, você se sentir invisível. - Ele falou quebrando o silêncio.
- Me sinto assim todos os dias. - Sussurrei.
- Eu também. - Ele falou baixo e o silêncio voltou mais uma vez. Eu olhei para ver se ele ainda estava ali e então ele estava deitado olhando pro teto da pista, com uma expressão pensativa e mexendo na barba rala.
- Tá pensando em que? - Ele me olhou com aqueles belos olhos azuis e eu abaixei a cabeça me escondendo atrás dos meus cabelos. Eu ainda não havia parado para olha-lo, os olhos dele era azuis e sua boca era um tom vermelhinho muito bonito, seus cílios eram grandes e claros o que lhe trazia um olhar misterioso e sedutor. 
- Não é do seu interesse, pode ter certeza. - Respondi baixo e seca.
- Pode agir como você Julie, não tem mais ninguém aqui. - Ele falou encarando o teto.
- E o que o meu jeito de ser tem a ver se tem ou não alguém me vendo? - Indaguei.

- Eu sei que todo esse amargo que há em você é disfarce. Vai! Me mostre a verdadeira Julie, eu quero saber quem é você. - Ele me olhou de canto e sorrio.

- Tá certo. Já que tanto quer saber... Eu sou a Julie, não tenho nada e ninguém. Assim que minha mãe me teve me deixou na frente de uma igreja no interior de Minas Gerais, não sei quem são meus pais, ou onde nasci. Cresci dentro de uma igreja, sendo educada pelo Padre José e as freiras. O padre não podia mais cuidar de mim por estar muito velho e o convento estava recebendo ameaças de ser fechado, então fui mandada para um orfanato. Lá passei fome, frio, apanhei, bati, aprendi a odiar o amor. Aprendi a odiar pessoas - o que não foi muito bom - Aprendi a detestar garotos, família, afeto, sentimentos e carinho. Naquele orfanato a única coisa boa que aprendi foi que amigos são seu apoio quando ninguém mais quer te ouvir. E a melhor de todas, confie apenas nos animais, eles não lhe trocarão por qualquer bunda maior ou uma vadia oferecida. - Assim que terminei de falar me deitei ao lado dele e ficamos juntos encarando o teto.

- Uau! - Ele falou e me olhou. - Você odeia bastante coisa hein. - Ele riu e eu acabei soltando um leve sorriso.

- E você? - perguntei.

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